FARRAPO HUMANO
Ary Franco (O Poeta
Descalço)
Numa noite passada,
estava calibrando os pneus do meu carro, quando vejo um homem andrajoso, barba
e cabelos longos, sorvendo etanol de uma das bombas abastecedoras. Gritei
estarrecido para os empregados do posto, apontando o inusitado da cena.
Um deles, vendo meu
espanto, veio até mim e explicou-me que era um “cachaceiro” inveterado e já
conhecido na região. Sempre que não conseguia dinheiro suficiente para manter o
seu vício, recorria aos postos de gasolina para beber o álcool que ficava no
bico das mangueiras.
- Mas isso é veneno!
Vocês não poderiam deixar!
- Moço, o irmão dele já
fez de tudo para interná-lo, mas ele consegue fugir e volta pras ruas, não tem
jeito!
- Só queria saber o que
leva uma pessoa a descer tanto como ser humano que é...
- Bom, conta o irmão que
ele perdeu o filho único e a mulher, num acidente de carro, quando dirigia.
Perdeu uma perna no acidente e quando teve alta médica no hospital, ficou pelas
ruas sabendo que esposa e filho já tinham sido sepultados. Largou o emprego e
não voltou pra casa, abandonando tudo. Já tem um ano que aconteceu o
acidente e nem sei como ele ainda está vivo!
Fiquei chocado, vendo
aquele homem se afastando sem tomar conhecimento da chuva que caía. Pedi ao rapaz
uma folha de papel em branco e ganhei do Posto uma agenda de brinde. Manobrei
para local mais iluminado, acendi a luz interna do carro e, com os óculos
embaçados pelas lágrimas, no repente da emoção, rabisquei o seguinte poema:
Em passos lentos, sob a
chuva, vai ele caminhando...
Sem abrigo e sem pressa,
pro seu destino inclemente.
Voltando para sua
solidão; ninguém lhe esperando...
Leva apenas consigo, seu
pobre coração plangente!
Uma brisa sopra e enregela
sua roupa encharcada,
Não mais do que a triste
alma desse pobre coitado.
Avista uma acolhedora
marquise, mas já está ocupada.
Talvez por outro
excluído, mais um pobre desgraçado.
Comovente estória. Seu
caminho é sem volta, só de ida.
Torce pra morte chegar,
querendo acabar com sua vida.
Procurando esquecer sua
desdita, abdicou da comida
E com esmolas que lhe
dão, consegue comprar a bebida.
Desceu tanto que minha
mão não consegue alcançar.
Impossível ajudar a quem
não quer se recuperar...
Um Natal triste deverá
ter esse meu irmão indigente.
Verdadeiro farrapo
humano que deixou de ser gente!
Que Deus se apiede de
sua alma, quando lá em cima chegar
E que ao lado de seu
filho e esposa possa ele se aconchegar.
Pobre anônimo, pobre
homem com seus poucos dias contados.
Sucumbiste com o peso da
tua cruz e me deixaste abalado!
(Fonte: AVBAP –
www.academiavirtualbrasileiraalmaartepoesia.com)
Comentários